Roberto Martins, de 65 anos, não poupou esforços para realizar seu sonho: jogar com o clube paraense do qual é proprietário – Shouse Futsal –, na liga mais competitiva da modalidade no país. A aventura de se expor em quadra em idade avançada lhe rendeu contestações, mas Roberto não se arrepende e projeta até entrar para o Guinness Book, o Livro dos Recordes.

Ray Nonato

Roberto Martins tem 65 anos e quer entrar para o Guinness Book. Foto: Ray Nonato

O jogador mais velho da Liga Nacional de Futsal é administrador da System House, uma empresa de tecnologia sediada em Belém, no Pará. Além da carreira empreendedora, Roberto se destacou em outra modalidade, o remo, e conquistou campeonatos locais, dos 17 aos 37 anos. O fim da carreira nas águas gerou problemas a Roberto, que ficou parado por cinco anos e teve de conviver com o aumento de peso. Com ajuda de amigos e funcionários, ele decidiu formar a equipe de futsal do Shouse, uma adaptação do nome de sua empresa. “Não imaginava que fosse envolver tantos recursos financeiros, mas é bom cometer alguma loucura quando surge a possibilidade de realizar um sonho”, avaliou.

Pai de quatro filhos, avô de quatro netos, administrador, presidente, técnico e jogador, Roberto só conseguiu disputar a Liga Nacional de Futsal 2018 ao bancar de seu próprio bolso 97% das despesas do clube – “centenas de milhares de reais”, segundo ele – e conciliar todos os afazeres para se manter preparado para os jogos. A falta de recursos acarretou em um desempenho péssimo da equipe (um empate e 17 derrotas no torneio), com raros momentos de destaque do dono-jogador. Nada que diminuísse a satisfação de Roberto por “inspirar jovens e mostrar que pessoas mais velhas também podem fazer coisas boas”.

Ray Nonato

Aos 65 anos, fixo defendeu o Shouse na LNF 2018. Foto: Ray Nonato

Roberto pretende colocar o Shouse novamente na liga e seguir “correndo atrás dos garotos”. Para isso, buscará apoio financeiro no Ministério do Esporte, pois não tem mais condições financeiras para arcar com todas as despesas. Confira, abaixo, a entrevista completa com Roberto Martins, o dono e jogador do Shouse.

Como surgiu a ideia de criar o Shouse? 

Comecei a jogar futsal com meus filhos e amigos e começamos a disputar torneios amistosos, mas a brincadeira só durou um ano, porque percebemos que nosso nível era bom e que era possível jogar no Campeonato Paraense. Recebemos um incentivo do presidente da federação – na época, o coronel Astrogildo Piedade – e federamos o clube que viria a ter o nome de Shouse em 1997.

É verdade que o senhor quer entrar no Livro dos Recordes?

Em 2006, meu filho estava assistindo a um programa com vencedores do Guiness Book e me perguntou se eu já tinha verificado se era o jogador mais velho do mundo. Respondi que não e que nem precisava fazer isso, mas ele foi atrás, fez uma consulta formal. Certo dia, recebi uma correspondência em casa pedindo para entrarmos em contato para confirmar algumas informações, chegamos a conversar, mas, por falta de fatos novos, acabou caindo no esquecimento. Quem sabe retomamos isso no final deste ano. Para mim, não importa esse título, meu maior interesse é motivar os mais novos.

Qual foi o momento mais marcante? 

Nosso primeiro jogo no Mangueirinho, em Belém, um ginásio único, com padrão internacional. Foi um amistoso contra o Corinthians, eles estavam com o time completo. Foi nosso primeiro contato com o futsal classe A. Nesse jogo, quando acabou o primeiro tempo, estávamos perdendo apenas por 1 a 0 e jogando bem. O clima no vestiário era ótimo, eu estava eufórico, afinal o Corinthians era um dos favoritos ao título. E eu estava marcando jogadores de seleção brasileira, jogadores com porte físico bem mais elevado, então aquele momento no vestiário me marcou muito. O problema foi depois de voltar para o segundo tempo. Além de jogador, eu estava treinando o time e com o bom resultado no primeiro tempo, eu caí no erro de subir o time para o ataque e tomamos de 6 a 0 (risos).

O senhor comanda a equipe sozinho?

Tenho um auxiliar, o Ronaldo Arruda, quem comandou a equipe na LNF 2018. Ele é um cara com um histórico esportivo muito bom, já foi campeão paraense. Além de treinador, é um parceiro, um amigo, porque não é fácil para um cara com o histórico dele, aceitar de forma pública que ele é o treinador da equipe, mas não exerce essa função na prática.

Ulisses Castro

Roberto Martins atuou diante da ACBF em Carlos Barbosa. Foto: Ulisses Castro

Como o senhor define quando entrar e sair de quadra? 

Em todas as partidas, se eu não estiver contundido, suspenso ou tenha feito treinos péssimos, eu normalmente entro em quadra. Como eu também faço o trabalho de técnico, eu sou muito crítico com as minhas atuações. Quando o Roberto treinador percebe que o Roberto jogador não está mais conseguindo acompanhar, é hora de mudar.

Isso já causou algum problema no grupo? 

Não, eles me respeitam. Além de membros do time, são meus amigos, tanto que alguns jogadores estão lá comigo há 14 anos, alguns são como meus filhos, eu os ajudo também fora de quadra a se formar, se profissionalizar. Somos a família Shouse.

E como era a relação com os adversários?

Eu sou uma pessoa teimosa, competitiva, quero jogar sempre, mas quando fico cansado e até mesmo por causa da idade, eu paro de acompanhar os jogadores na marcação e, em algumas oportunidades, torcedores no Pará ficavam gritando ‘vai cuidar do neto’ e coisas deste tipo, mas não perco a cabeça porque é natural, são torcedores. Posso garantir que na Liga nunca houve nenhum tipo de desrespeito, foi muito gratificante, levamos 17 pancadas durante o torneio, mas atingi meu objetivo social. Tirei muitas fotos com crianças, pessoas mais velhas, fui um bom exemplo para eles.

Como é sua preparação física? 

Esse é o maior problema. Eu tenho uma empresa, então preciso dar maior atenção para ela. Pela minha idade, o ideal seria uma preparação mais elaborada e intensa. Nosso time treina três vezes por semana e eu participo de todos os treinos, mas ainda não é o suficiente. Para o ano que vem, decidi que terei um período mais ou menos sabático na empresa e me dedicar à Liga. Tenho uma vida regrada, só saio para eventos que envolvam reunião de familiares e me alimento basicamente de frutas, legumes, frango e carne. Nem açaí entra na minha dieta, porque o nosso açaí puro é diferente do açaí do Sul – servido em pouca quantidade, com granola e banana –, ele é pesado e dá sono depois de tomar. Se conseguirmos participar da Liga no ano que vem, podem me cobrar uma melhor preparação. Aos 66 anos, vou estar correndo atrás dos garotos.

Ray Nonato

Shouse é uma família para o Sr.Roberto. Foto: Ray Nonato

O senhor acha que tem como melhorar o público em Belém? 

Tem sim. Nesse ano, tive de honrar meus compromissos com a Liga Nacional de Futsal e priorizei as despesas. Por causa disso, não pude chamar outros jogadores, não pude investir em uma estrutura melhor. Em janeiro, chamamos os cinco melhores atacantes de Belém, acertamos valores e tudo. Infelizmente, os dois grandes patrocinadores que mostraram interesse em nos ajudar, nos mandaram um ofício avisando que seus recursos seriam destinados a outros eventos. Isso nos prejudicou muito e não conseguimos acertar com nenhum dos cinco jogadores.

O senhor se arrepende de alguma coisa? 

Não. O Shouse me dá um prejuízo financeiro muito grande, é uma despesa grande, tiro dinheiro do próprio bolso para honrar meus compromissos, mas era um sonho jogar a Liga Futsal, não me arrependo de nada. Minha esposa poderia estar achando ruim, mas ela me deu muito apoio.