A vida ensina e o tempo traz o tom”. A vida ensinou a Falcão o caminho para se transformar no maior jogador de futsal de todos os tempos. O trecho da música A Estrada, da banda Cidade Negra – trilha escolhida pelo craque -, retrata um pouco da entrevista exclusiva que Falcão concedeu ao GloboEsporte.com e que você confere no vídeo abaixo.

Alessandro Rosa Vieira chega aos 40 anos nesta quinta-feira com números de lenda do esporte. São mais de 100 títulos entre clubes e seleção, maior artilheiro em Copas do Mundo de Futsal com 48 gols, 385 gols pela seleção brasileira – sendo o goleador máximo de um esporte coletivo -, além de duas Bolas de Ouro Fifa (2004 e 2008) e duas Copas do Mundo (2008 e 2012).

Falcão é unanimidade nas quadras. Mas o que será que o Alessandro pensa do Falcão? E o que o Falcão pensa sobre o Alessandro?

GloboEsporte.com

Se você não fosse jogador de futsal, o que seria?

– Na minha transição para ser jogador de futsal eu já trabalhava com meu pai em um açougue. Naquela época, o açougue era um bom negócio e a família toda do meu pai trabalhava ali e eu desde os meus 12 anos. Possivelmente, como era uma sequência de família, eu estaria no ramo ou mudado depois devido aos mercados passarem a vender carne também, porque deu uma atrapalhada no negócio do açougue. Mas naquele momento e naquela época eu teria dado sequência nos negócios do meu pai.

Se você for fazer um churrasco sabe comprar a carne certa?

– Eu gosto de fazer churrasco, conheço as carnes, conheço tudo. Embora faça muitos anos, eu tenho um pouquinho de noção.

Sabe cozinhar?

– Não sei cozinhar. Sei fazer churrasco, sei fritar um ovo, mas falar que eu sei cozinhar é bem longe disso.

Qual o prato predileto?

– Eu como de tudo, mas o que nunca pode faltar é o arroz. Sou viciado em arroz. O pessoal costuma ir em churrascaria só comer a carne. Pode vir a carne que for, eu paro de comer para pegar um pouco de arroz. Sempre tem que ter o arroz junto.

É um cara marombeiro, que gosta de musculação e cuidar do corpo?

– Na verdade eu faço só o suficiente. Eu sempre tive um metabolismo bom, meu corpo sempre reagiu bem aos meus treinamentos, mas eu não faço nada além do que outros jogadores fazem. Eu tenho uma facilidade, pouco gente sabe, mas eu nunca suplementei, nunca cuidei da alimentação. É uma coisa natural, mas agora perto dos 40 anos ainda jogando, faço um planejamento para me dar uma longevidade. É bom eu ter chegado até agora sem precisar de nada e daqui para frente se precisar vai ser melhor. Tenho que tomar cuidado porque meu corpo reage muito rápido. Ou eu ganho muito rápido ou eu perco muito rápido, mas é uma coisa natural minha mesmo.

Você tem uma rotina normal como qualquer outra pessoa? Leva os filhos na escola, faz mercado?

– O Falcão é um personagem que joga bola, mas no dia a dia eu tenho minha vida normal. Gosto de levar meus filhos no cinema, quando posso busco eles na escola. Vou lá comprar minhas coisinhas no mercado. As pessoas até estranham muito, porque acredito que as pessoas mais conhecidas não devam fazer isso, mas eu procuro deixar claro que o Falcão é um personagem que joga bola, mas fora dali tenho que ser um pai, uma pessoa normal. Tenho minhas necessidades de casa, então não tenho melindre nenhum em fazer tudo isso.

Além de duas Bolas de Ouro da Fifa, Falcão foi eleito outras quatro vezes o melhor jogador do mundo de futsal pelo site Futsal Planet (2004, 2006, 2011 e 2012)

Você se considera uma celebridade?

– Vejo um reconhecimento muito grande em qualquer lugar do mundo que eu vá, então o Falcão é uma celebridade. Eu, Alessandro, procuro ser uma pessoa normal. Como eu falo: meu filho vai jogar e às vezes o ginásio está cheio, mas eu não posso deixar de ver meu filho jogar porque as pessoas vão tirar foto. Mas é o único momento em que sou um pouco chato, peço para esperar o jogo acabar. O Falcão é uma celebridade, o Alessandro é uma pessoa normal.

Vai a reuniões escolares dos filhos?

– Quando eu posso, sim. Reunião escolar, de condomínio. Eu tenho que participar porque são interesses pessoais. Não é porque a gente é conhecido, tem uma fama ou é uma celebridade que a gente não tem conta para pagar, não tem fome, não tem necessidade de ir ao mercado, de comer um doce ou alguma coisa assim. Eu procuro ter uma vida o mais normal possível.

Se alguém te chama de Alessandro você atende?

– Atendo. Geralmente são pessoas que querem se identificar porque me conhecem de algum lugar ou de alguma época. Isso acontece principalmente quando vou jogar no Corinthians, no Parque São Jorge, sempre tem alguém. Aí já imagino que é alguém que estudou comigo, que morava perto de onde eu morava e geralmente é assim. Minha mãe me chama de Sandro, meus irmãos, minha família.

Como é a relação do Falcão com as mulheres? Faz sucesso fora de quadra?

– Estou com quarenta anos, mas estou inteirinho ainda. Tem o assédio, mas hoje tenho uma namorada linda, estamos juntos há pouco mais de um ano. Fui casado por 16 anos, então tem que saber lidar com essas coisas, mas o assédio existe e tem que saber como levar essa situação.

Qual sua viagem inesquecível?

– A primeira vez que fui a Singapura. Porque toda essa modernidade que tem Dubai, Singapura já tinha em 1999, 2000. Foi a minha primeira viagem com a seleção brasileira. O Egito também, é uma coisa bem diferente. Todo mundo fala das pirâmides, e o torneio que joguei lá era do lado das pirâmides. Eles montaram uma arena grudada com as pirâmides e foi algo exótico, bem diferente de tudo o que já vi.
Falcão conquistou nove vezes o Grand Prix de Futsal com a seleção brasileira (2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2011, 2013, 2014 e 2015)

Tem uns três, quatro passaportes carimbados?

– Já. Quanto mais vai ficando velho e acha que vai diminuindo, mais aumenta. Só esse ano foram oito ou nove países, até o fim do ano devo completar 11 ou 12 países. Acredito que por tudo que fiz minha carreira inteira, o Falcão está trabalhando bastante. As vezes dá pra conhecer uma coisa ou outra, mas eu costumo dizer que conheço o mundo inteiro, mas não conheço praticamente nada. Geralmente eu vou a trabalho, tenho que cumprir horário, agenda, mas sempre que eu posso os pontos principais eu costumo ir para fazer uma foto.

Você é vaidoso?

– Sou vaidoso pra caramba. Se eu fico 20 dias sem cortar o cabelo já fico desesperado. Acho que é minha marca registrada, né? Meus irmãos falam que eu fiz implante, porque meus três irmãos estão carecas e eu ainda não estou, só tem umas entradinhas. Falo para eles que é um charme, mas sou vaidoso. Gosto de me vestir bem, de comprar minha roupa, de escolher e saber o que está na moda. Então sou vaidoso, sim.

O número 12 te acompanha. Superstição?

– Fui convocado pela primeira vez em 1997 e no clube eu jogava com a 10. Aí mudei de clube, joguei com a 14 e a partir do ano 2000 eu unifiquei tanto no clube como na seleção a camisa número 12. Virou uma marca registrada em poucos anos, em ginásios do Brasil e do mundo já tinha as camisas 12 penduradas, passou no futsal de ser número de goleiro para jogador de linha. Foi uma mudança grande no futsal porque sempre foi número de goleiro, acredito que tenha incentivado muita gente a ter mudado. Com certeza é uma superstição, tenho o número tatuado na minha perna, hoje é minha marca registrada e muita gente em vez de me chamar de Falcão, me chama de “Doze”. Ficou uma marca muito forte.

É religioso?

– Sou religioso, mas nada absurdo. Agradeço muito o dom que Deus me deu, todos os dias antes dos jogos e preparação. Os filhos saudáveis, a vida que eu tenho, de ter conquistado tudo na minha carreira e de ser uma pessoa conhecida, então isso não é por acaso. Eu sou escolhido e agradeço muito a Deus. Não sou ao extremo, de nenhuma religião específica, mas acredito em tudo que seja do lado bom e positivo relacionado a Deus.

FIFA

Falcão recebe o prêmio pela brilhante carreira. Foto: FIFA

Vivemos um momento conturbado na política. O que pensa?

– Nunca me meti em política. Já joguei em um time que os diretores eram políticos, sempre deixei claro em dividir as coisas. Acho que a política no Brasil, eu que rodo por aí, tem escândalos no mundo inteiro. Às vezes você é honesto e a pessoa desconfia, o mundo hoje está carregado para isso. Infelizmente temos a corrupção, não só na política, mas tudo que envolve a política. Na diretoria de uma empresa, no futebol você tem um presidente, vice-presidente, a comissão, todos os diretores que envolve é uma política. Sempre que você vai vasculhar você acha coisa errada. Particularmente eu participei de uma mudança brusca no futsal que era relacionada à política do esporte e coisas que realmente assustam, enojam e a gente espera que esses escândalos façam aparecer pessoas apenas querendo fazer o bem, o que mais está difícil hoje.

O que acha que fez até os 40 anos de idade e agora não conseguirá mais fazer?

– Ainda consigo fazer bastante coisa. Não vejo coisa que eu não consiga fazer mais. Acredito que agora que estou perto de parar de jogar eu vou começar a fazer mais coisas do que fiz até agora. A vida de atleta você tem que regrar, tem treinar, jogar, descansar, tem que dormir bem. E eu tenho vontade de “ahh, mês que vem vou viajar para qualquer lugar”, e eu nunca posso fazer e nunca pude fazer. Tenho aquele mês de férias que tento viajar o máximo possível, mas acredito que tudo que fiz até agora eu consigo continuar fazendo, mas a partir de agora quero fazer mais coisas que eu não pude fazer.

Falcão é o maior vencedor da Liga Nacional de Futsal: são nove títulos (1999, 2005, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014)

O que representa 40 anos de idade?

– Representa ver primeiro, pelo lado profissional, que 90% dos jogadores da minha idade pararam de jogar ou estão jogando não em um alto nível. E eu chegar aqui, em um grande clube, jogando, fazendo gols disputando títulos, ano passado fazer uma Copa do Mundo que eu me surpreendi… Então eu vivo de quebrar metas, etapas e acredito ser muito feliz por ter chegado aos 40 anos com saúde, jogando, fazendo o que gosto. Espero poder acompanhar a vida dos meus filhos daqui para frente.

Pensa em fazer o que depois da aposentadoria? Tem planos?

– Tenho planos. Tenho coisas fora do esporte que já estou começando a me meter um pouco mais, e dentro do esporte torcer para esse projeto perpetuar e ser o gestor para sempre. Fazer alguma coisa na seleção brasileira, para que o futsal não morra. Sei da minha importância, mas as coisas têm que ter sequência, criar novos ídolos. Quero me deixar à disposição no futsal em geral para agregar em alguma forma.

O que o Alessandro falaria do Falcão e o que o Falcão falaria do Alessandro?

– O Alessandro e o Falcão são totalmente diferentes. O Alessandro falaria do Falcão que ele é competidor, dentro de quadra se transforma e não quer perder nem par ou ímpar. O Falcão falaria que o Alessandro é uma pessoa tranquila, totalmente diferente lá de dentro, uma pessoa que se preocupa em ajudar todo mundo, sem querer mostrar ou querer aparecer. Me preocupo se o massagista está bem, se o meu primo distante está bem, se minha avó está bem, o cara que eu joguei cinco anos atrás como é que está, se não quer pegar uma franquia de escolinha minha. Sempre me preocupo em deixar as pessoas que me rodeiam bem, dentro de um possível. Claro que não dá para fazer para todo mundo, não dá para agradar todo mundo, talvez eu tenha falhado com alguém, mas se foi, foi totalmente sem perceber, porque o Alessandro dificilmente faz uma maldade para alguém.

André Durão