Criado e crescido com a redonda, jogador transborda alegria, do cabelo à atuação, que contagia a torcida e estará presente no confronto com Sorocaba pelas quartas
Por João Lucas Cardoso
Jaraguá do Sul, SC
Oitomeia Jaraguá Futsal (Foto: João Lucas Cardoso)Criado na bola, Oitomeia transborda alegria quando está em quadra (Foto: João Lucas Cardoso)

O ala é querido pelo torcedor jaraguaense pelo jogo, pelos gols e pelos cabelos que variam o corte e também a coloração conforme a ocasião. No mês de outubro, por exemplo, ele tingiu as melenas de rosa, em alusão à campanha de prevenção contra o câncer de mama, o Outubro Rosa. No entanto é a personalidade que o faz estrela desde meados do ano passado, quando voltou ao país depois de um período no futsal espanhol. Oitomeia é feliz em quadra e gosta que a torcida o veja assim, como um atrativo além do jogo. A bola lhe causa isso, desde sempre e ainda mais agora, com o time classificado para a fase decisiva da Liga Nacional de Futsal (LNF).

Eu sou o boleiro, nego velho da bola, que viveu a bola a vida toda
Oitomeia, ala do Jaraguá

– Eu sou o boleiro, nego velho da bola, que viveu a bola a vida toda. Desde a escolinha, campo e salão, joguei no campo também, sempre tive prazer em jogar. A hora mais feliz, pra mim, é trabalhar, jogar e treinar – confessa.RELEMBRE
> “Maluco beleza”, ala Oitomeia tenta levar o Jaraguá à final da Liga FutsalAdjetivos para explica o camisa 86 do Jaraguá são como rótulos, e estes não caem tão bem ao jogador por sua personalidade única. Os torcedores do Norte de Santa Catarina sabem melhor que ninguém. Oitomeia também. Tanto que faz questão de deixar claro que vestir a camisa da equipe catarinense e em que passou a grande estrela da bola pesada do país e se destacar com ela não o faz sucessor. Por sinal, para ele, não há um, nem é necessário que exista.- Ultimamente me perguntaram o que achava de eu ser o sucessor do Falcão. Falei que não iria ser, não se pode partir deste princípio de ter que haver um substituto. Se for para rotular, é melhor parar. Pode ser que apareça alguém parecido, o cara que vai fazer gol de lambreta, vai fazer gol de cavada, vai dar caneta. A pergunta era se eu poderia suceder o Falcão, ao menos aqui em Jaraguá. Sei que sou tido como uma referência para o torcedor, mas acho que é mais pelo carisma da torcida, meu estilo de jogo. Acredito que sou mais querido pela pessoa do que pelo jogador.

Oitomeia Jaraguá Futsal (Foto: João Lucas Cardoso)Cabelos tingidos por causa do Outubro Rosa
(Foto: João Lucas Cardoso)

Autenticidade. Talvez este seja o melhor rótulo para o ala, se é que precisa de um. Característica notória na quadra e também na conversa com o GloboEsporte.com nos dias que antecederam a o duelo das 21h30 deste sábado contra o Sorocaba, no jogo de ida, fora de casa, pelas quartas de final da Liga Nacional de Futsal (LNF). Oitomeia apresentou o lado “nego velho da bola” na entrevista que você lê a seguir.GloboEsporte.com: Acha que a torcida te reconhece tanto por qual motivo?
Oitomeia:
Cheguei em 2013 em Jaraguá e sempre fui um cara estilo de jogo diferente, mais agressivo. Isso agrada bastante. Tento fazer algo diferente de habilidade, ser intenso no jogo, atacando e defendendo. E também agrega a minha personalidade, sou barbudo, tem o cabelo. Este ano fazendo poucos gols, mas tinha média boa e extravaso na comemoração, fiz algumas engraçadas. Pintei o cabelo várias vezes, mudei o corte. Tem a vibração de quando defende uma bola, a vibração do jogo, de chamar a torcida. Acho que tudo isso criou um vínculo bom com a torcida.Com qual frequência pinta o cabelo?
Com 17 anos, numa final de estadual amador em Guarulhos, pintei o cabelo de azul, combinando com o uniforme. Sempre gostei do diferente. Pode ser rosa, quero ir de amarelo, gosto do contraste e do diferente. Em 2012, quando estávamos concentrados em um hotel, eu estava com baba grande e pintou resenha de pintar a barba, igual ao Cissé. Pintei o moicano e barba de loiro e me chamaram de Cissé do Futsal. A barba foi crescendo. Quando fui para a Espanha, pintei de verde, o time tinha uniforme verde e deu repercussão. E desde então, cheguei em Jaraguá e continuei. Minha mulher gosta da brincadeira, quando não pinto o cabelo tem corte de modo diferente, faz desenho, raspa. Fiquei uns jogos sem fazer e a torcida começou a cobrar. Esperavam de mim algo que diferente, embora tenha hora que não dá. Foi algo natural essa da cobrança da torcida. Ano passado fiz um jogo aqui que a organizada inteira com o cabelo colorido, foi algo muito bacana. Tenho um vínculo muito legal, onde vou me tratam bem, fico feliz pelo reconhecimento.

Oitomeia Jaraguá Futsal (Foto: Beto Costa/Jaraguá)Agressividade e ousadia são marcas de Oitomeia quando está em ação (Foto: Beto Costa/Jaraguá)

Você é muito alegre, é sempre assim?
Eu sou o boleiro, nego velho da bola, que viveu a bola a vida toda. Desde a escolinha, campo e salão, joguei no campo também, sempre tive prazer em jogar. É a hora mais feliz, pra mim, é trabalhar, jogar e treinar. Sei que é temporário, que daqui a pouco acaba, tem quem pare antes ou depois. Sou alto astral para frente, tive infância difícil, de família humilde, em que meus pais faziam de tudo para sustentar. São nordestinos que foram para São Paulo. Então, eu acho que nunca tive motivo para estar triste, o futsal e futebol me alegram muito. Sou assim no dia a dia, desfruto da vida, não é nada forçado. Tem dia que pinta o cabelo, tem dia que não pinta, já tirei barba, já pintei barba… Vejo futsal com potencial, mas precisa de algo mais.  O cara ir só ver um jogo pode ser algo monótono. Vejo com os olhos do torcedor, se vou ao estádio ou ao  ginásio quero ver o diferente, ver o que faz com que a torcida levante e se expresse. Tento trazer algo diferente, seja com uma comemoração, um jeito de ser querido com a torcida, simpático. Sou um cara do povo, dou atenção a todos, é meu esporte, meu trabalho, então eu valorizo, tenho que estar feliz.

Dia do jogo é dia feliz. Eu me preparo, acordo pensando na partida, é o dia em que corto o cabelo e me preparo de forma diferente
Oitomeia, ala do Jaraguá Futsal

E você deve ter momentos tristes. Quando ocorrem? 
A hora mais triste é quando não estou jogando, ou passo uma partida a maior tempo fora, sem poder ajudar. Pra mim, dia do jogo é dia feliz. Eu me preparo, acordo pensando na partida, é o dia em que corto o cabelo e me preparo de forma diferente, tomo café na hora certa, fico focado o dia todo, ouço música. E daí chegar na partida e nem entrar, ou ficar uns dois ou cinco minutos, é triste. Não conseguir entrar em quadra provoca a reflexão: será que tem algo errado, será que tenho que evoluir um pouco mais? Fico meio perdido, porque você acha que está bem e merece jogar e não joga. Mas também tem o princípio do respeito, tem outros companheiros trabalhando, que batem cartão igual a você, todos trabalham numa carga igual. O que me conforta é que tem um comandante, é opção dele de colocar ou não. Momento triste é mais quando não joga, mas o bom do futsal é que sempre tem oportunidade de mudar, não demora para ocorrer. Se não dá hoje, em breve aparece.Consegue dimensionar a paixão que tem pelo futsal? É algo que contagia.
O futsal pra mim hoje é tudo. Porque é meu trabalho, sustento da família, Estou desde moleque, e mesmo com tanto tempo sinto isso. É muito coisa.O time mudou, saíram as estrelas, mas você também tem papel em chamar o torcedor. Sente isso?
Era algo diferente. O Jaraguá vem de uma transição: teve a fase boa, dos 10 anos, que acabou e ficou meio apagado. Tinha mais referências, o Falcão era um ídolo e outros jogadores, Neto, Lenísio, Valdin, Tiago e outros tantos nomes. Faço minha parte para resgatar um pouco disso tudo. Desde o ano passado a Arena começou a lotar novamente, o que não ocorria desde a fase supercampeã, até 2010. Acho que a torcida se apega a esta maneira e também acredito ajudar em trazer um público mais jovem. Acho que é também uma nova fase para a torcida, nosso público rejuvenesceu.

Oitomeia Jaraguá Futsal (Foto: João Lucas Cardoso)Oitomeia não esconde satisfação por treinar e jogar (Foto: João Lucas Cardoso)

Você fez a sua parte.
No ano passado teve a comemoração da classificação de fase em que dei uma volta de long (um skate mais comprido) na quadra. Foi muito marcante. Logo em seguida teve aquele drible no Falcão que rodou o mundo (quando aplicou uma carretilha no astro). Algo que foi acrescentado para que a torcida fosse se apagando mais (veja no vídeo). Também, foram me conhecendo mais, fiz alguns trabalhos de publicidade, apareci mais na mídia, o nome estava em ascensão e acho que ajudou no resgate da paixão do nosso torcedor. Acho que o futsal foi resgatado e está no holofote da região.Por ter falado em skate, é algo que está presente na sua vida?
Sempre andei de long, ainda mais na infância. Eu andava de downhill, com velocidade em ladeiras, fazia manobras. Porém, eu parei quando comecei a jogar no campo, disputei a primeira divisão naquele time do Brasiliense que tinha o Vampeta e o Marcelinho Carioca (2005). Foi quando eu dei uma parada, tinha risco de lesão, de me machucar. Quando fui para a Espanha adquiri um long novamente. Andava bem de vez em quando e voltei a andar em 2012, mas vou mais surfando, em piso reto e sem risco. Aqui na Arena tem um espaço da hora do lado de fora, umas ladeirinhas. Levo meu filho também, comprei um long pra ele. Todo os dias eu levo o long para o treinos, ando do lado de fora da quadra, com o piso liso. Às vezes antes dos jogos eu ando também, pra tirar a tensão do jogo.

E teve a vez que chegou a comemorar andando com ele na quadra. Como ocorreu?
Pintou no vestiário isso: “Porque não dar uma volta quando fizer um gol?”. A ideia inicial era de deixar atrás de uma das placar de publicidade e se marcasse pegaria e comemoraria na hora. Mas isso poderia gerar algum cartão, ou outra punição. Na época eu até estava pendurado. Pensei em esperar uma hora que estivesse zerado, mas também nunca se sabe quando se vai fazer um gol. Aí acertamos tudo quando estava sem cartão e fiz o gol. Mas o long estava do outro lado, ia ficar ruim para dar um rolé. Acabou o jogo e dei a volta. Acho que foi no momento certo, num jogo com rivalidade, com casa cheia, oito mil no nosso ginásio, contra o maior rival. Era hora de desfrutar, e foi uma coisa nova, inusitada, eu não tinha feito ainda, embora o meu perfil seja de extravasar na comemoração. Gol é tudo na vida, a hora mais feliz. Bate uma alegria tão grande em mim que fico parecendo criança. Mas eu uso long também fora, vou na academia, que fica cerca de 1km da minha casa, ou no banco, que também é perto. Voltou na minha vida.Ainda fazendo relação com a fase anterior do Jaraguá: as comparações com Falcão?
Ultimamente me perguntaram o que achava de eu ser o sucessor do Falcão. Falei que não iria ser, não se pode partir deste princípio de ter que haver um substituto.  Se pegar o caso do Ayrton Senna: ele morreu e não teve substituto. Vieram outros depois, mas não um substituto. Como o Michael Jordan não teve um substituto, e vários outros casos. Acho que o Falcão é um grande nome, e sempre vai ser, mas precisa formar outros. Se for para rotular como Falcão, é melhor parar. Igual o Falcão nem vai existir um igual. Pode ser que apareça alguém parecido, o cara que vai fazer gol de lambreta, vai fazer gol de cavada, vai dar caneta. Me perguntam se eu poderia suceder o Falcão, ao menos aqui em Jaraguá. Sei que sou tido como uma referência para o torcedor, mas acho que é mais pelo carisma da torcida, meu estilo de jogo. Acredito que sou mais querido pela pessoa do que pelo jogador.Agora a fase decisiva da LNF chegou.
Fala-se muito em objetivo de ganhar a LNF. Pra mim, o objetivo principal é defender bem as cores do meu time e levar alegria ao ginásio, para que o pessoal que pagou ingresso volte para casa com um sentimento bom. Tento trazer algo mais, agregar valor a não ser apenas um título, um campeonato. De 20 equipes, apenas uma vai ganhar, mas não quer dizer que outros não vão crescer.Globo.com