“Aconteceu o que tinha que acontecer. Foi o que eu procurei, o que eu conquistei. O que conquistei foi mérito meu e dos meus companheiros, quem estava comigo. E o que eu não conquistei foi mérito dos outros, que foram superiores. Então, não tiro e também não coloco nada. Eu tenho aquilo que eu fui merecedor de ter. Nada mais, nada menos”.

Foi assim, com a tranquilidade e a maturidade que o tempo e os títulos trazem, que o experiente fixo Ciço, de 34 anos, resumiu a carreira. Contratado pelo Supermercados BH/Minas em dezembro de 2015, Ciço nasceu em Florianópolis (SC) com o nome Jefferson Rodrigues de Brito. Mas foi com o apelido que carrega nas costas da camisa que conquistou o mundo. Desde o início precoce no time adulto do Jaraguá – quando só tinha 15 anos – até as passagens pela Europa e retorno ao futsal brasileiro, títulos não faltam na carreira do reforço minastenista para a temporada 2016. Mas a carreira de Ciço não é feita apenas de sucessos. As derrotas, que não foram poucas, também estão vivas na memória do jogador. Hoje mais racional, o camisa 5 da seleção brasileira na conquista da Copa do Mundo FIFA de Futsal, em 2008, reconhece que acabou se prejudicando no início da carreira por conta do temperamento explosivo.

Após um forte treino tático comandado pelo técnico Paulo César Cardoso, na Areninha, no Minas I, Ciço sentou no piso da quadra e apoiou as costas na parede. Em uma conversa informal, o jogador falou sobre o início da carreira, títulos, derrotas, os melhores que viu em ação, do sucesso na Espanha aos momentos difíceis que passou no Irã e os possíveis arrependimentos.

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O começo

Curiosamente, o futsal não foi o primeiro esporte praticado por Ciço. Aos cinco anos, em Florianópolis, o garoto foi levado pela mãe para o Judô. Porém, o futuro camisa 5 da seleção não se aventurou muito tempo com o judogi, vestimenta usada durante a prática da arte marcial japonesa. Um ano mais tarde, Ciço passou para dentro das quatro linhas. Desde então, o futsal virou sua vida. “Eu comecei no Judô, mas era pequenininho, tinha cinco anos. Minha mãe foi quem me colocou. Mas, com seis anos, já comecei a praticar o futsal, na categoria fraldinha, na Astel, um clube de Florianópolis. No meu segundo ano de pré-mirim, me transferi para o 6 de janeiro. No meu primeiro ano de mirim, voltei pra Astel, onde fiquei até meu último ano de infanto”.

Foi ainda na infância que Ciço disputou a primeira competição. O campeonato estadual está vivo na memória até hoje. Mesmo com um resultado negativo, o fixo tirou uma lição importante daquela final.

“Eu lembro direitinho como foi minha primeira competição. Foi um estadual de Santa Catarina. A fase final foi apenas uma fase, em Balneário Camboriú. A gente perdeu a final, ficamos em segundo. Eu me lembro disso até hoje. Aquilo ficou marcado, lembro que eu chorei muito por perder aquela final. Meus pais sempre falaram que eu nunca gostei de perder, que eu chorava e ficava bravo, não falava com ninguém quando perdia o jogo, até mesmo onde eu morava. Essa primeira competição me marcou muito. Não pelo lado negativo, por ter perdido, porque eu era uma criança na época. Mas foi importante por ter aprendido a querer competir, a querer ganhar. Isso ficou marcado na minha memória”.

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Um adulto de 15 anos

Enquanto alguns atletas passam por todas as categorias de base, outros conseguem pular degraus e virar um profissional mais cedo. Foi o que aconteceu com Ciço. Aos 15 anos, quando mudou para Jaraguá, foi promovido ao time adulto. Um momento importante e de muito aprendizado. “No meu primeiro ano de juvenil, fui para Jaraguá, só que lá não joguei o juvenil, fui jogar direto no adulto. E tudo isso com 15 anos, o que foi muito importante para mim, um crescimento muito grande, principalmente com o meu primeiro treinador no profissional, que foi o Maneca. Não tiro o mérito dos outros treinadores, mas aprendi muito com ele. Na Astel, por exemplo, o Atila Lisboa foi meu treinador durante muito tempo. Mas a saída do juvenil para o adulto foi onde tudo começou, com um aprendizado maior, quando eu vi que aquilo era o que eu realmente queria fazer, porque aquilo me apaixonava”.

Depois do Jaraguá/Breithaupt, Ciço ainda atuou por GM/Chevrolet, Ulbra e Banespa. Após sete anos jogando no futsal brasileiro, chegou o momento de mudar de ares. Aos 22 anos, ele desembarcou em Portugal para iniciar uma nova fase da vitoriosa carreira. O jogador reconhece que o temperamento explosivo o atrapalhou no começo da vida europeia, mas a consagração iria chegar com a transferência para um país vizinho. “Eu acho que eu fui no momento certo. Eu estava com 22 anos. Eu já tinha amadurecido, já tinha perdido a final, uma semifinal de Liga. Mas também já tinha vencido uma Liga, consolidado meu nome aqui no Brasil. Mesmo novo, já estava indo para a seleção brasileira, cotado para o Mundial de 2004. Me lembro que, naquela época, quando o pessoal saía do Brasil, não era convocado. Acho que foi importante ter saído. Minha personalidade, por ser um pouco forte, confrontou um pouco naquele momento. Comecei muito bem. Classificamos para a fase final da Uefa, ganhamos a Supercopa de Portugal. Mas, às vezes, pela idade, por não engolir algumas coisas em certos momentos, acabei errando nesse ponto. Tive uma expulsão, tomei três jogos de gancho e, nesse momento, eles não gostaram e conversaram comigo. Achamos melhor rescindir o contrato naquele momento. Mas, para mim, também foi bom, porque, logo em seguida, eu fui para a Espanha. Ali começou uma trajetória muito legal, muito bonita”.

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O Rei da Espanha

Ciço viveu um momento mágico ao desembarcar na Espanha. Por lá, defendeu Barcel Euro Puebla, Lobelle de Santiago, PW Cartagena, El Pozo Murcia e Inter Movistar. E títulos importantes não faltaram. Em 2006, quando estava no Lobelle de Santiago, foi campeão Copa da Espanha, sendo o artilheiro e melhor jogador da competição. Em 2008, Ciço voltou a conquistar a Copa da Espanha, mas com a camisa do El Pozo Murcia. Ainda no El Pozo, em 2009, foi campeão da Liga Espanha. No ano seguinte, também defendendo a camisa do El Pozo, levantou os troféus da Liga, Supercopa e Copa da Espanha. Em 2011, quando estava no Inter Movistar, foi campeão do Mundial de Clubes. Definitivamente, a passagem pela Espanha foi especial para Ciço. “Joguei os primeiros seis meses na (divisão) Prata, e o time subiu para a primeira divisão, contra o Barcelona, jogando na casa deles. Logo em seguida, já comecei a jogar a divisão Ouro. Ali eu comecei a consolidar meu nome. Fiz um ano muito bom, fui artilheiro do time e nossa equipe cumpriu a meta. Depois, mudei de equipe. Então, graças a Deus, consegui fazer meu nome na Espanha. Para mim, a Espanha foi um divisor de águas. Eu estava na seleção naquela época. Muitos jogadores saíam daqui e iam para um time de ponta da Espanha, da divisão Ouro, mas eu fui para a divisão Prata. Tive que dar um passo para trás, mas, graças a Deus, deu tudo certo. A gente subiu, isso me marca muito, tenho muito orgulho de falar isso. Eu fui para a divisão Prata e consegui subir com o time que tinha muitas aspirações. O meu treinador era o mesmo que hoje treina a seleção espanhola. Fiz uma amizade muito grande com ele. Ganhamos uma Copa da Espanha, que não éramos os favoritos, mas ganhamos dos 13 grandes da época. Naquele momento, a Espanha era o grande futsal. Eles eram os atuais bicampeões do mundo. Era a liga mais organizada. Os jogadores do Brasil, que atuavam pela seleção, estavam lá, cerca de 80%. Era uma liga muito competitiva, muito bem organizada. O principal é que você chega descansado para jogar, porque só tinha jogo no fim de semana”.

Sucesso na Espanha, sucesso com a seleção brasileira. Com a camisa amarela, Ciço foi tricampeão Sul-americano (2002, 2006 e 2007), campeão dos Jogos Pan-americanos (2007), tricampeão do Grand Prix (2005, 2007, 2009) e campeão da Copa do Mundo FIFA de Futsal (2008). Anos de seleção e de passagem pelo futsal espanhol permitem que o jogador faça uma comparação entre o esporte praticado em um dos centros mais avançados do mundo e aquele que existe no Brasil. Para ele, os dirigentes brasileiros precisam rever o que estão fazendo. “A gente tem muito o que aprender com os espanhóis. Nós podemos falar que somos bicampeões novamente, mas nós não temos a metade da organização deles. Alguns clubes têm a estrutura invejável, como é o caso do Minas, mas a maioria dos clubes não tem essa estrutura, essa organização. Então, é difícil, complicado. Muitos clubes na Liga devem salários, atrasam salários. É muito difícil de acontecer isso na Espanha. Além de trabalhar, você vive a sua vida. Aqui, você joga a Liga, estadual, outras competições no meio. Lá tem a Liga, depois vem a Copa da Liga. É uma coisa organizada, você consegue planejar bem a vida familiar. Infelizmente, no Brasil, isso não acontece. Mas não depende só dos jogadores, depende também do que vem em volta. Depende das pessoas de cima, uma organização, bom senso, discernimento, não pensar apenas em si e querer ter poder. É pensar no bem do esporte. Infelizmente, estamos distantes disso. Isso aqui é um esporte apaixonante. A gente pode dar o exemplo da Confederação, que não tem dinheiro para bancar uma seleção brasileira. Estamos no ano de um Mundial, e a Confederação ainda está devendo jogadores. São bichos, diárias. Isso não é querer falar mal da Confederação e de quem entrou agora, eu estou falando da real situação do futsal brasileiro. É só assistir ao (Campeonato) Europeu de Futsal para ver a organização, a estrutura. É muito diferente do que a gente vê. Por mais que o pessoal fale do Brasil, que é campeão do mundo… O Brasil é campeão do mundo porque tem a matéria prima muito boa. Se não tivesse a matéria prima, que são os jogadores e a comissão técnica muito boa, não chegaria nem na segunda fase. Então, eu acho que está na hora da gente parar para pensar, ver e rever algumas coisas, porque as coisas podem piorar muito se o Brasil não ganhar este próximo Mundial de Futsal”.

FINAL ELPOZO-MOSTOLES [#Beginning of Shooting Data Section] Nikon D300 Longitud Focal: 28mm Optimizar imag:  Mode de color:  RR Larga exposic.: Apagado RR ISO alto: Encendido (Normal) 2008/02/17 16:04:51.9 Modo de exposici—n: Manual Balance de blancos: Temp. del color (3570 K)  Comp. de tono:  JPEG (8 bits) Buena Modo de medici—n: Multipatr—n Modo de AF: AF-S Ajuste de tono:  1/160 segundo(s) - F/5 Modo de sincronizaci—n del flash: No montado Saturaci—n:  Compensaci—n de la exposici—n: 0 EV Nitidez:  Objetivo: 28-70mm F/2.8 D Sensibilidad: ISO 1600 Comentario de imagen:                                      [#End of Shooting Data Section]

Irã

Depois da Espanha, Ciço iniciou uma outra etapa de sua carreira internacional. O jogador se aventurou no Oriente Médio. Além de ser praticado no Irã, o futsal do país atrai muitos brasileiros. O salário é atraente, mas a vida em uma cultura tão diferente não é fácil. Foram apenas 90 dias jogando pelo Foolad Mahan FSC. “Eu fiquei três meses no Irã. É uma cultura totalmente diferente, muito difícil. O futsal deles é bom, realmente bom. Tem muito público, eles gostam do futsal, tratam o brasileiro muito bem. Só que, eu falo por mim, eu não desejo para ninguém. Eu não me adaptei, eu não consegui, foi muito difícil. Por mais que eles me tratassem muito bem, para mim foi muito complicado. É uma cultura totalmente diferente da nossa, coisa que a gente não imagina. Muitos brasileiros estão lá, eu aplaudo de pé aqueles que conseguem ficar lá. Cada um sabe da sua necessidade. Então, isso é muito pessoal. Mas aquele que tiver condições de ir para um país melhor, eu aconselho a ir para outro lugar, porque não é fácil. Para usar a internet é complicado, ver televisão é complicado. A minha experiência não foi boa, mas eu não posso ficar falando só bem ou só falar mal. Eu falo o que eu vivi, que não me adaptei. Mas o povo de lá é muito acolhedor, eles gostam muito de brasileiro, gostam muito de futsal, nos tratam muito bem. Mas é difícil de viver. O salário é atraente, a gente olha muito o salário. Mas, quando se vive lá, é complicado”, contou.

Os grandes jogadores

E em 28 anos de futsal, quem foram os melhores atletas que Ciço viu jogar? O fixo cita alguns nomes por posição. “É difícil fazer um quinteto, porque eu seria injusto com alguns. Mas vou colocar alguns por posição. Os goleiros são Guitta, Luis Amado e Tiago. Os fixos são o Schumacher, que, para mim, foi o melhor, porque ele revolucionou essa posição. E eu acompanhei isso na Espanha. Por mais que depois ele tenha deixado de jogar de fixo, ele mudou essa posição; e o Kike, um espanhol que é um ótimo passador, coloca a bola onde quer, muito bom jogador. Na ala esquerda cito o Vini, que foi o mais completo de todos que eu joguei; o Falcão, porque ele é a magia, o drible, o desconcerto; Gabriel, um cara muito trabalhador. Aquele cara que você pode não dar nada para ele, mas ele sempre está ali; Álvaro, um espanhol espetacular que jogou comigo. Um jogador incrível, espetacular. Na ala direita tem o Ari, um cara completo, muito tático, inteligente; Daniel, um brasileiro naturalizado espanhol. Um cara de nível impressionante. O que ela fazia na Espanha era brincadeira. Muito bom jogador; Gadeia, hoje está em um nível alto, muito bom jogador; e Manoel Tobias, um cara que revolucionou esse esporte. Foi um cara que fez a diferença no seu momento. Os pivôs são o Lenísio, um cara que fazia o gol ficar grande; Wilde, um cara impressionante, meu Deus do Céu; Paulo Roberto, um pivô brasileiro que se naturalizou espanhol. Fez muita coisa na Espanha; Índio, outro grande pivô. Joguei muito contra ele e junto com ele.

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Título é título

Ciço diz que não é fácil escolher o título mais especial de todos que já conquistou. Mesmo destacando o Mundial com a seleção, em 2008, toda conquista tem sua importância. Agora, ele mira a conquista da Taça Brasil com a camisa do Minas. “Difícil falar um título que marcou, porque título é título. No meu caso, quando eu jogo, eu entro para ganhar tudo. Mas, ser campeão do Mundo com a seleção é o ápice do atleta. Graças a Deus, eu consegui isso em 2008. Infelizmente, não consegui isso em 2012, acabei machucando no último amistoso, no Japão, e fui cortado. O normal do ser humano é pensar naquilo que você não conseguiu, mas eu prefiro focar naquilo que eu conquistei. Todos foram muito importantes para mim, cada um tem sua importância no momento. Hoje eu estou vivendo no Minas, e a Taça Brasil é a mais importante para mim. Se a gente ganhar a Taça Brasil, a Liga vai passar a ser a mais importante. Então, eu acho que a gente tem que valorizar todos os títulos, seja ele estadual, metropolitano, porque é aquilo que você está disputando naquele momento. Então, eu valorizo tudo o que já ganhei e tudo o que eu não ganhei também, porque o aprendizado é muito grande em todas as derrotas. Eu costumo falar que eu joguei as últimas quatro finais de Liga, mas perdi as últimas duas. Muitos gostariam de estar no meu lugar. Então, tem que valorizar também. Infelizmente, o brasileiro tem aquela coisa de não valorizar o segundo lugar, de dizer que o segundo é o primeiro dos últimos. Negativo. Nós jogamos a final, conquistamos o direito de estar lá. Se foram melhores que a gente, parabéns para eles. O importante é você conseguir chegar, expor seu patrocinador, porque hoje está difícil. Então, você tem que chegar, trazer a mídia para o seu lado. Chegando em uma final, você consegue fazer isso tudo. Ganhar ou perder será uma consequência daquilo que você vai fazer naqueles dois jogos de finais. Eu fico com todos os títulos que conquistei e todas as finais que perdei, que não foram poucas. Perdi muito, mas valorizo cada derrota como um grande aprendizado”.

Aprendendo com a vida

Ao fazer uma análise da carreira, o fixo disse não ter arrependimentos. Reconhece os erros da juventude, valoriza vitórias e sabe que é importante estudar as derrotas. Arrependimentos? Nenhum. Ciço tem certeza que tudo foi um grande aprendizado. “Tudo na vida é aprendizado. Hoje, por mais que eu seja experiente e ter passado por várias situações, eu aprendo muito com os meninos. Estou aprendendo muito com o Paulinho (Paulo César Cardoso) e sua metodologia de treino. Estou gostando muito da forma de treino, da intensidade. Acho que, no meu começo, eu era muito temperamental, era muito explosivo. Hoje eu já sou muito mais racional, uso mais a cabeça. Mas era muito da idade. Aprendi, tinham os caras que puxavam minha orelha. Então, não tiraria nada nem colocaria nada. Aconteceu o que tinha que acontecer. Foi o que eu procurei, o que eu conquistei. O que conquistei foi mérito meu e dos meus companheiros todos, que estavam comigo. E o que não conquistei foi mérito dos outros, que foram superiores. Então, não tiro nem coloco nada. Eu tenho aquilo que eu fui merecedor de ter. Nada mais, nada menos”, concluiu.

Notícia: Site Oficial Minas
Imagens: Divulgação