Maurício Moreira

Sérgio Lacerda, atual comandante do Pato, bicampeão da LNF. Foto: Maurício Moreira

No auge de seus 56 anos, o catarinense Sérgio Lacerda vive grande fase no futsal. Desde quando o assumiu o Pato, em 2017, não passou um ano sequer sem uma conquista expressiva. Somam-se os títulos da Série Ouro, Taça Brasil, Liga Sul e o bi da Liga Nacional. Além do coletivo, Lacerda tem mérito próprio e foi eleito, nos dois últimos anos, o melhor treinador da principal competição da modalidade no país.

No entanto, sua trajetória com a bola nos pés iniciou nos gramados. Fez parte das categorias de base de Avaí, Grêmio e Internacional. Por volta dos 20 anos, deixou o futebol para se dedicar ao trabalho no futsal. Chegou a cursar Educação Física, mas não concluiu.

Como jogador, rodou o sul do país. No Paraná, vestiu a camisa do Cascavel, em 2001. Se aposentou um ano depois e iniciou a saga como técnico no Seará/SC. Dirigiu equipes tradicionais, como Atlântico/RS, Jaraguá/SC e Marreco. Em 2006, chegou em Pato Branco e deu ao extinto Atlético Patobranquense o título da elite paranaense. Retornou à cidade 11 anos depois e é o comandante de suas principais conquistas no esporte.

Em entrevista ao Correio do Povo do Paraná, Sérgio Lacerda falou da amizade com o presidente do Pato, Luiz Sérgio Lavarda, criticou o formato classificatório para a Libertadores de Futsal e revelou a estratégia adotada em 2019 para levar seus comandados ao binacional. Confira:

Correio: No início da carreira, você foi treinado por um certo Fernando Ferretti.

Lacerda: Ele já tinha certo reconhecimento nacional e veio trabalhar no Tigres, em Joinville. Era um cara inteligente, acima da média como pessoa. Como profissional, é mais um técnico do que um treinador. Enxergava o jogo de forma diferenciada. Sempre disposto nos treinamentos. Não se preocupava se o atleta saía ou não, etc. Não sou igual a ele, mas acredito que em certos aspectos tomei como aprendizado, me moldando para o profissional que me tornei. Mantenho contato com ele até hoje.

Correio: Em 2006, no Atlético Patobranquense, o Luiz Sérgio Lavarda (Lavardinha) era seu atleta. Hoje, é presidente do Pato. Como conheceu ele?

Lacerda: Em Santa Catarina, ainda na época quando éramos atletas. Depois, fui treinar o Atlético em 2006. Lembro que encontrei uma geração que se dizia a melhor, mas que nunca havia ganhado nada. Busquei mesclar meu método com a essência do grupo. Não precisávamos ser o melhor time, bastava que vencessemos o campeonato. Deu certo. Depois que saí, segui mantendo contato com o Lavarda. E aí, em 2017, recebi o convite e retornei para cá. Lavarda é um cara que, além de dirigente, é esportista, respira futsal. Isso ajuda muito. Além de ser bom, você precisa amar o que faz, e ele é assim.

Correio: O que mudou no futsal do Paraná de 2006 para cá?

Lacerda: Era e continua sendo o melhor campeonato do Brasil. Melhorou a mentalidade do pessoal que está acima de nós. Começaram a entender que dar estrutura de trabalho aos jogadores e comissão técnica é fundamental para o clube ter sucesso. Não adianta trazer o melhor atleta, se não tiver uma boa alimentação, boa estadia e bom ambiente para trabalhar. E também, se antes você tinha um estadual com 14 clubes e sabia que seriam quatro que disputariam o título, hoje você têm 10. Muitos clubes conquistaram espaço no campeonato.

Correio: Em 2014, você assumiu o Jaraguá com o desafio de trazer resultados expressivos que não eram vistos desde o fim da parceria com a Malwee. Qual foi a estratégia adotada?

Lacerda: Era preciso entender que a época da Malwee foi a maior escola de futsal do mundo. Não teria como fazer igual, não dava para fazer comparação. Se fizéssemos, seria difícil alavancar o clube novamente. Depois, além diretoria e atletas, precisamos fazer com que a torcida também compreende isso. Ela entendeu que se antes o time tinha um dono – o proprietário da Malwee -, agora o time era dela. Isso nos credenciou a voltar a brigar no cenário nacional, mesmo com um investimento menor. Não fomos campeões da Liga, mas era a nossa equipe a que jogou o melhor futsal de 2014.

Correio: O critério para a classificação para a Libertadores de Futsal divide opiniões. O que você pensa a respeito? Ser campeão da Liga e não ter a vaga garantida no torneio sul-americano lhe deixa frustrado?

Lacerda: Foi uma regra imposta por dirigentes que estão acima de nós. Não considero o melhor critério. O campeão da Liga, que é dita a melhor do mundo, precisa disputar uma vaga para poder jogar a Libertadores?. É dos bastidores. A Liga não é feita pela CBFS. Não digo que me sinto frustrado, pois estou no jogo e sei como ele funciona. O negócio seria não aceitar. Teve um ano que precisamos disputar e o negócio era não ter ido, para mostrar que não concordávamos. Não porque a gente não classificou, mas porque isso está errado. A questão foge do nosso alcance. Queria ver alguns ex-atletas numa diretoria de Liga, na Confederação, e aí isso dificilmente ocorreria. O cara que jogou nunca concordaria com isso e lutaria pelo melhor da modalidade.

Ricardo Artifon CBFS

Título da Taça Brasil em 2018. Foto: Ricardo Artifon CBFS

Correio: Considera o retorno dos jogos sem torcida uma boa alternativa para os clubes de futsal?

Lacerda: O momento que vivemos hoje é de todo o esporte, não só do futsal. O esporte é feito para pessoas. Trabalhamos para chegar no ginásio e ele estar cheio e fazer o espetáculo. Tu jogar sem torcida hoje é uma necessidade, não é uma questão de concordar. Teremos dificuldades de atender às exigências das autoridades, mas terá que ter um começo. As perdas serão grandes, o nível de motivação cai.

Correio: Na partida de volta da Liga 2019, o Pato teve uma atuação muito diferente da que se viu na ida. Qual foi a estratégia traçada nos treinos que fez o time ter uma apresentação tão soberana no jogo da volta?

Lacerda: Era essencial não perder o primeiro jogo. Com os atletas, não falei em ganhar. A partir do momento que a tua equipe é tida como inferior, e tu chegar a perder o primeiro jogo em casa, seria muito ruim para reverter tudo o que já era a favor do Magnusl. Nós jogamos com uma tensão grande, sabendo que não poderíamos perder, e precisávamos jogar em São Paulo em condições iguais. Eu soube trabalhar com o lado emocional fora da quadra. Não nos envolvemos com esse negócio de suspensão, que foi muito falado, e fomos para o segundo jogo leves. Jogamos soltos, com uma marcação irreparável. Nós começamos a jogar a final em Pato e fomos para a continuação lá em Sorocaba. Tivemos humildade, intensidade, colocamos algo no coração muito mais que eles. Eles não jogaram uma final. Nós sim. Final não se joga, se ganha.

Correio: Qual o maior obstáculo de montar um elenco após ser campeão, como no caso do início de 2019?

Lacerda: Foi uma questão de fazer quem chegou entender que não deveria jogar como um campeão. Nós precisávamos jogar para ser campeões. Nós conseguimos isso, principalmente no final da temporada, encontrando uma formação. Alguns jogadores entravam e oscilavam muito. Perdemos um mata-mata do Paranaense. O Dois Vizinhos fez o que nós fizemos na Liga: vivenciaram uma final. Nossa equipe conseguiu enxergar isso na reta final do ano e jogamos como precisávamos para ser campeões.

Correio: Qual foi o atleta de maior liderança com qual trabalhou?

Lacerda: Quando jogador, na minha posição, teve um cara que sempre foi líder e o considero o melhor de todos os tempos, que foi o Mauro Brasília. Foi o melhor beque que eu vi jogar. Líder no andar, no falar e nos gestos. Líder para os jovens e para os experientes. Como treinador, tive vários atletas que tinham uma postura acima da média: Caio, Nenê e o Frankling – que entre 2015 e 2016 voltou a jogar no Jaraguá. Ele mostrou uma liderança grande, levava a essência do jogo, não gostava de perder em treino, em disputa de pênalti. Sério, mas alegre por trabalhar. Trabalhei com ele aos 42 anos e essa essência me surpreendeu.

Correio: O que você conhece do Operário Laranjeiras e das categorias base da cidade?

Lacerda: Meu preparador físico do ano passado era muito ligado na Prata e Bronze. Ele me relatava, tinha um banco de dados, o histórico de cada equipe, pois ficamos de olho para pegar algum atleta. Fico feliz por ver uma cidade que respira futsal, que fez uma campanha brilhante do início ao fim. Claro que é Bronze, mas tudo precisa de um começo. Pelo tamanho da cidade, ter 1,7 mil pessoas por jogo é maravilhoso. A gente torce que tenha continuidade. É importante ter estrutura, não se preocupar muito em ganhar tudo, pois não adianta ser campeão dois anos e depois acabar. É como uma loja: todos podem abrir, mas para mantê-la aberta necessita de um bom material pra vender, boa clientela. Acompanho a base e ela é importante para sustentação da equipe principal.

Foto Maurício Moreira

Sérgio em treino ainda antes da pandemia. Foto: Foto Maurício Moreira