O carinho ainda existe. Afinal, Falcão não desgruda de uma bola de futsal há mais de três décadas. Só que depois de tantos anos de convivência, é normal que algumas coisas mudem. O entrosamento já não é mais o mesmo. Movimentos que antes pareciam fáceis, automáticos, agora dão um baita trabalho. O problema é que a gente não consegue perceber essas mudanças nem analisando os movimentos com calma, em câmera lenta. Então, o Esporte Espetacular propôs um desafio diferente a um dos maiores nomes da história do futsal. Que tal deixar a bola um pouco de lado e virar espectador de si mesmo? O Falcão de hoje vendo o jovem Falcão em ação. O experiente atleta de 38 anos analisando o talento de um prodígio. (clique aqui e veja a reportagem de Guilherme Roseguini)

– Quando eu paro ali concentrado pra olhar eu me emociono. Quantas coisas eu passei pra chegar ali, quanto eu sofri de estar machucado.

08.11_brasil_ira_3

Claro que essa experiência toca primeiro o coração. Afinal, é legal rever os lances que o fizeram ser eleito quatro vezes o melhor jogador do planeta. Mas as imagens são também essenciais pra refrescar a memória, tirar o passado das sombras, e ajudar a entender o presente. Esparramado na quadra como se estivesse no sofá de casa, Falcão faz questão de ressaltar logo de cara: ele não é mais o mesmo jogador de antes.

– Eu não me preocupava muito com a parte tática, porque a parte técnica sobressaia. Os treinadores também não ligavam, porque eu era muito agudo, pegava a bola, ia pra frente, driblava, chutava. E era a mesma explosão o jogo inteiro. Depois de um certo tempo eu fui perdendo algumas coisas e fui aprendendo a dominar outras.

05.11_brasil_guatemala_4

Acredite: isso não é simples. Nem fácil. Muitos atletas encerram as carreiras porque não conseguem se reinventar, e deixam de ser relevantes. Falcão sempre foi mais rápido do que os rivais. Mas com o passar dos anos todos nós vamos perdendo a potência dos músculos. É normal. O corpo muda. Falcão, por exemplo, tinha 75 kg quando chegou à seleção, nos anos 90 e hoje pesa 84 kg.

– Antigamente eu pegava a bola e me garantia ali. Hoje, não. Eu já tenho que entrar no meio da defesa, tenho que dar opção de passe. Já tenho que fazer variações pra jogar em alto nível. Se eu ficasse naquele sambinha de uma nota só: vou pegar e vou driblar. Pô, mas já não driblo tanto. Vou encarar o adversário o jogo todo, mas já não tenho velocidade nem explosão pra isso. O que eu fazia antes dez, quinze vezes por jogo, hoje eu faço três, quatro, no momento certo.

Essa diminuição nas ações foi essencial. A média de idade dos atletas nesse esporte é de 27 anos. Juventude ajuda. Os dribles, por exemplo, exigem uma combinação precisa de agilidade física e mental. É difícil fazer toda hora. Repare só: quando estão diante de um adversário, craques como Falcão percebem rapidamente detalhes dos corpos que indicam quais movimentos devem seguir. É a partir daí, acessam um grande banco de dados mental, com dezenas de milhares de jogadas que aprenderam ao longo da carreira. Desse arsenal, escolhem a saída que parece a mais indicada. E então o cérebro manda o comando para os músculos executarem o movimento, com muita rapidez. Tudo isso em apenas dois décimos de segundo. Mais ligeiro do que um piscar de olhos.

– No futsal, meio segundo que você é mais lento já faz muita diferença. Eu vejo ali como eu driblava, pra lá, pra cá, mudava de direção, isso eu fui perdendo ao longo do tempo e fui percebendo. Então fui me adaptando, usando na hora certas, marcando melhor, me posicionando melhor, tendo uma leitura tática pra suprir a parte técnica de velocidade que eu estava perdendo.

11.10_camisa_falcão_2

O tempo fez dele um jogador mais tático. Mais inteligente. E não tirou de Falcão o faro de gol. São 446 bolas na rede só pela seleção e o chute segue preciso e decisivo.

– Eu crio menos do que antes, mas consigo concluir. Eu consegui manter, ser vencedor, fazer gols, mesmo perdendo outras coisas.

Não é bravata, não. Um bom exemplo  veio no último mundial, na Tailândia. Mesmo sofrendo com lesões, Falcão marcou um dos três gols da vitória sobre a Espanha, que valeu o título ao Brasil. Ele já tinha 35 anos e acreditava estar no último grande torneio da carreira. E como aprendeu a lidar com o corpo, mudou de ideia. Agora, ele quer vencer o mundial de 2016. E o segredo, acredite, é treinar sempre menos, não mais.

– Hoje eu já sinto isso, treinar menos e treinar certo. Se tem musculação de manhã e bola à tarde, de repente eu tenho que fazer só um dos dois, já não consigo pegar essa carga.

Ele aprendeu a valorizar também os momentos de descanso. Então, não vamos exigir demais dele, né? Pra encerrar, pergunto qual foi a sensação de reviver grandes momentos da carreira.

– Cara, passou um filme, né. Só tem uma coisa que me deixa triste, de olhar assim, uma história tão bacana, e saber que está acabando.

Está acabando mesmo. Mas ainda não acabou. Portanto, vamos aproveitar os últimos momentos dele em quadra. O prodígio dos lances impossíveis não tentou driblar o tempo. Preferiu torná-lo um aliado. E isso, sim, é uma jogada de craque.

Notícia: GloboEsporte.com

Imagens: Ricardo Artifon/ CBFS